Por Karla Hansen;
"Há, ultimamente, um certo alarde a respeito de uma criação dos adolescentes usuários da Internet: a novidade é que, quem tem menos de 20 anos e acesso à rede mundial de computadores, não dispensa o "internetês" para escrever suas mensagens ou se comunicar nas salas de bate-papos virtuais.
No entanto, o que parecia uma brincadeira de adolescente está abalando o coração, já tão cansado, dos professores da língua portuguesa. O assunto também já ganhou as páginas dos jornais e tem alimentado calorosos debates entre acadêmicos, escritores e jornalistas, principalmente, depois que um canal de televisão por assinatura resolveu legendar seus filmes, nitidamente movido pela necessidade mercadológica de atrair a audiência jovem, com o "internetês".
Basicamente, o debate tem dividido os interessados entre os que são contra e os que são a favor. De um lado e do outro existem os exagerados e alarmistas de plantão. Entre os que são contra, por exemplo, um argumento bem forte é o de que o "internetês" é mais que uma degradação da língua, um verdadeiro atentado infame a ela. Em artigo publicado no site do Observatório da Imprensa, o escritor Deonísio da Silva, chamou de "besteirol" o novo "idioma" e classificou o fenômeno como "assassinato a tecladas" da língua portuguesa.
Afora os termos virulentos, Deonísio analisa o assunto com ponderação. Segundo o escritor, nunca se escreveu tanto como nesses tempos de correspondências eletrônicas, mas para ele estão "botando os carros na frente dos bois". Ou seja, esses adolescentes têm acesso à internet e ao celular, mas não à norma culta da língua escrita. Nas palavras de Deonísio: Os pequenos burgueses tinham internet e celular, mas não dominavam a língua escrita. E por isso criaram a deles. Nada espantoso. Também os habitantes das periferias não dominam a norma culta da língua e criam suas gírias, devidamente circunscritas a cada grupo de usuários.
Para resumir, o escritor defende que o "internetês" é um sintoma da grave falência educacional, que por sua vez, gera a exclusão dos jovens ao mundo letrado ao qual só poucos têm acesso.
Deonísio da Silva esteve também presente no Observatório da Imprensa - programa exibido semanalmente pela TVE, cujo assunto foi pauta recente. Além do escritor e do apresentador do Observatório, jornalista Alberto Dines, outros convidados estavam presentes: professor Sérgio Nogueira, que comanda um programa na Rede STV sobre língua portuguesa e Marisa Lajolo, escritora, professora e estudiosa da Universidade de Campinas (Unicamp), entre outros. Da mesma forma, na televisão, os participantes se dividiram entre os que "mordem e os que assopram" o linguajar cibernético.
Alberto Dines personificou o advogado do diabo ao provocar os convidados com a aposta de que o "internetês" era nada mais do que um rebaixamento da língua, um "nivelar por baixo" em suas palavras.
Combatendo serenamente essa tese, Marisa Lajolo é uma das que não veem nada de grave na invenção dos adolescentes. Ao contrário, ela acredita que a nova escrita na Internet está promovendo um "surto de poliglotas". Na sua opinião, o "internetês" é apenas mais uma linguagem usada pelos jovens para se comunicarem entre si, considerados, por ela, poliglotas pela capacidade de se expressar de maneira diferente com seus pais, professores e com os demais interlocutores da comunidade. Dessa forma, para a escritora, isso demonstra criatividade dos adolescentes em criar um código próprio, que reforça a identidade dos mesmos.
Ainda no programa, Sérgio Nogueira não se deixou abalar pelas provocações de Alberto Dines e aconselhou os professores a não se assustarem, mas procurarem conhecer a linguagem. Antigo trabalhador da língua, escrevendo para jornais e apresentando um programa de televisão voltado exclusivamente para o assunto, Sérgio Nogueira admite que esse é um "fenômeno natural". Para ele, o problema maior a ser atacado pelos professores é mesmo o domínio da linguagem padrão.
Outro que vê com bons olhos o fenômeno é o poeta Ledo Ivo. Por diversas vezes, declarou na mídia, seu apoio ao que ele batizou de "dialeto eletrônico". Para o acadêmico estamos diante de um fenômeno linguístico e cultural que só comprova a vitalidade da língua e sua capacidade de se transformar através das gerações.
Na mídia impressa, também teve quem se manifestasse. Em sua página na revista domingueira do jornal O Globo (Revista O Globo, 20/3/2005), a escritora gaúcha Martha Medeiros escreveu sobre o "internetês" e se mostrou assustada com a adoção do dialeto no lançamento do Cyber Movie, sessão do canal de tevê por assinatura, que adotou a linguagem juvenil nas legendas dos filmes. Para ela, esse é um sinal de lamentável e vertiginosa decadência da língua portuguesa.
Entre melancólica e irônica, Martha concluiu sua crônica afinada com a opinião do escritor português José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura: no filme "Língua, vidas em português" (de Victor Lopes, 2002) Saramago prevê que, em breve, estaremos nos comunicando com grunhidos, como os homens das cavernas. E aí, ele nem se referia à Internet, mas ao fato de que, há apenas 50 anos, a língua era falada e escrita de modo mais belo e rico, por nossos antepassados.
Há, do outro lado, entusiastas febris. Pessoas afirmam que o "internetês" veio revolucionar a língua portuguesa e chegam a oferecer um "curso de língua de internetês", no qual estão traduzidas as principais expressões da "língua" num "dicionário".
Fato é que: todo o "dicionário de internetês" é formado por um punhado de expressões derivadas do inglês, outras tantas abreviações e palavras inventadas que reproduzem o som das sílabas faladas. Qualquer pessoa, razoavelmente alfabetizada e que tenha conhecimento de conceitos rudimentares da língua inglesa, é capaz de decifrar o código.
Seguindo o bom senso do professor Sérgio Nogueira, alguns professores de língua portuguesa já tiveram a iniciativa de promover, em sala de aula, atividades com o dialeto. Não se trata de rejeitar, diminuindo-lhe a importância, ou de elevar aos céus, atribuindo-lhe poderes para "revolucionar" ou mesmo ameaçar a língua portuguesa. Essas experiências em sala de aula têm a qualidade de reconhecer o fenômeno e explorá-lo, mostrando sua dimensão real.
Dessa forma, é possível que o "internetês" ainda dê o que falar. Mas, com o vocabulário reduzido de que ele dispõe, é provável que o debate, assim como a própria vida do novo dialeto, não sejam capazes de ir muito longe.
Nesta edição, nós do Portal abrimos espaço para você participar do debate sobre a escrita usada pelos adolescentes na Internet. Qual a sua opinião sobre o "internetês"? Participe de nosso fórum Discutindo.
11/4/2005
artigo retirado do site http://www.educacaopublica.rj.gov.br/jornal/materias/0227.html, acessado dia 22.03.2012
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